Review: Batman

Roberto Fideli
6 min readMar 2, 2022

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Batman (EUA/CAN, 2022). Dirigido por Matt Reeves. Escrito por Matt Reeves e Peter Craig. Duração: 2h55min.

O que aconteceria se o próximo filme do homem morcego se passasse no mesmo universo cinematográfico que Se7en? A cidade fictícia e sem nome do controverso filme de 1995 que alçou o cineasta David Fincher ao reconhecimento internacional possuía uma estética decadente e distinta que se comunicava bem com algumas das encarnações mais recentes de Gotham City. E pelo visto o diretor Matt Reeves (de Planeta dos Macacos: A Guerra e Cloverfield), teve um insight semelhante.

Os paralelos começaram a ser traçados assim que os primeiros trailers ganharam a internet: estava nova visão de Gotham City planejada por Reeves era sombria, chuvosa e ainda mais decadente que a de seus predecessores, cortesia da ótima direção de fotografia de Greig Fraser (que também fez Duna) e também do design de produção de James Chinlund. O resultado é deveras interessante, e a melhor visão da cidade desde O Cavaleiro das Trevas de 2008, que na ocasião era mais limpa, mais cosmopolita, menos caindo aos pedaços. Aqui, mais até que na trilogia de Nolan, a cidade é um personagem tão importante quanto seus habitantes.

O belo (ou horroroso) design de produção aliado à ótima fotografia contribuem para uma das representações mais envolventes de Gotham City no cinema. Uma pena que os personagens que vivem nela não parecem pessoas de verdade.

O que dizer sobre a história então? Adentrar muito nos detalhes do enredo significa cair no terreno perigoso dos spoilers, então vamos deixar as coisas simples.

Batman não é uma história de origem. Chega de ver os pais do Bruce Wayne serem baleados em um beco escuro e o colar de pérolas da mãe dele se despedaçando. Bruce Wayne (desta vez encarnado pelo britânico Robert Pattinson) está combatendo o crime em Gotham há dois anos, e já formou uma sólida aliança com o comissário de polícia James Gordon.

Um novo serial-killer que se identifica apenas como “Charada” começou uma onda de homicídios de pessoas importantes cujo objetivo é revelar um esquema de corrupção na cidade mais corrupta do mundo. O tchans da questão é que essa corrupção data de décadas atrás, até o passado da família Wayne, forçando nosso recém-escalado homem-morcego a confrontar duras realidades sobre seus pais.

Em muitos sentidos, esta visão do homem-morcego é um retorno às origens pulp e obras de ficção de crime que inspiraram a criação do personagem de Bob Kane e Bill Finger em 1939. Em essência, o filme de Matt Reeves é uma típica história de detetive em estilo noir, no qual o personagem principal deve desvendar um caso e, no processo, acaba revelando estruturas maiores e mais complexas que envolvem o crime organizado e as instituições que deveriam combatê-lo.

Agora, isso é o suficiente para justificar as duas horas e cinquenta e cinco minutos de filme? Matt Reeves e seu co-roteirista Peter Craig certamente pensam que sim. Muita coisa acontece neste Batman, conforme o protagonista e seus colegas perseguem as pistas deixadas pelo Charada. E, apesar da longa duração, não há momentos em que o cineasta deixa a peteca cair— a trama é bem amarrada, sempre em movimento e sempre capaz de manter o espectador engajado. Essa é uma boa notícia, e aqueles familiarizados com os trabalhos anteriores de Reeves sabem que ele é muito seguro na condução do ritmo de seus trabalhos.

Robert Pattinson encarna bem o protagonista quando está por trás da máscara. Mas sua interpretação de Bruce Wayne, baseada no músico Kurt Cobain, é truncada e sem nuance.

O problema, no entanto, está na criação dos personagens. Há muitos rostos conhecidos neste filme, mas pouca personalidade por trás deles. O efeito prático que isso tem é justamente a diminuição do suspense: se não conhecemos ou nos importamos com os personagens, então quais são os riscos envolvidos? O que se ganha e o que se perde? Há pouco investimento emocional, pois a trama está sempre ocupada em apresentar novas evidências e desvendar novos mistérios.

Algumas atuações acertam e outras erram. A começar por Pattinson: muita especulação girou em torno de como seria sua representação do Batman, também por conta do fato de que ele tirou o lugar que antes era de Ben Affleck. Sua performance — baseada no vocalista do Nirvana, Kurt Cobain — é truncada, de modo que não há uma distinção clara (como no caso de Christian Bale, por exemplo), entre quem é Bruce Wayne e quem é o Batman. Debaixo da máscara ele está bem: possui presença e imposição física. Agora, sem ela…

Jeffrey Wright, interpretando o Comissário Gordon, e John Tuturro, como o mafioso Carmine Falcone, no entanto, são pontos positivos no elenco. O mesmo pode ser dito sobre Andy Serkins como Alfred, embora sua participação seja muito pequena. Colin Farrell, irreconhecível por conta de tanta maquiagem, interpreta o Pinguim de um jeito caricato, mas não ao ponto de se tornar uma distração. Já Paul Dano como o Charada está um tom acima do necessário e isso prejudica um pouco o efeito geral do personagem. Considerando-se todas as tentativas de copiar esteticamente Se7en, algumas lições poderiam ter sido aprendidas com o filme de 1995: nele, o vilão, por meio de sua frieza, passa a sensação enervante de estar o tempo todo um passo à frente dos heróis, o que não acontece aqui. Alguns momentos chave são iguais nos dois filmes, mas ao que tudo indica, David Fincher é um observador mais astuto do comportamento humano do que Matt Reeves. Diante de tanta inteligência e meticulosidade, o Charada de Paul Dano às vezes descamba em uma histeria pouco condizente com suas ações.

Pelo menos o Batmóvel é legal.

Para completar, Zoë Kraviz como Selina Kyle está… ok. Como no caso de vários de seus colegas, sua personagem não é desenvolvida o bastante para que a atriz explore coisas como NUANCE, e algumas questões — como sua sexualidade — permanecem frustrantemente ambíguas no que parece ser uma tentativa clichê de criar apelo com a audiência chinesa que tem reservas quanto a qualquer elemento LGBT.

Aí está outra falha fundamental do filme: toda vez que Batman se aproxima de um tema controverso ele puxa o freio de mão. O que pode deixar alguns espectadores decepcionados, como aconteceu comigo. Não é um insulto para a sua inteligência, como no caso de O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mas para um filme de quase três horas, há uma falta surpreendente de elementos humanos, de interações entre personagens que carreguem algum peso emocional, humor ou sensualidade.

Quem é o homem por trás da máscara? Apesar de quase três horas, Batman nunca parece ter tempo para mergulhar nas vidas internas de seus personagens.

Considerando-se o trabalho que Reeves fez em Planeta dos Macacos: a Guerra, isso acaba se mostrando um passo na direção contrária. No filme de 2017 que tem Andy Serkins interpretando o chimpanzé Caesar, esse elemento humano é fundamental para alimentar a suspensão de descrença e fazer com que o espectador torça pelos macacos e não pelos humanos. Aqui, entretanto, personagens são descartados sem nenhum tipo de consideração posterior, pois isso significaria adentrar terrenos mais sombrios aos quais Batman não está disposto. Há enredo de sobra, com certeza, mas a construção dos personagens é superficial na melhor das hipóteses.

Nota final: 7/10

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Roberto Fideli

Redator, jornalista, mestre em comunicação pela Cásper Líbero, escritor de fantasia e ficção científica.