Review: Interestelar

Roberto Fideli
8 min readApr 17, 2021
Interestelar (EUA, 2014). Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro de Christopher e Jonathan Nolan. Duração: 2h49 min.

Tudo bem, eu desisto. Já enrolei tempo demais. As pessoas precisam saber a verdade, custe o que custar.

Eu. ODEIO. Interestelar.

Pronto. Ufa, isso foi um alívio.

Por ANOS eu ponderei acerca da natureza do meu ódio por este filme. É porque ele é extremamente pretencioso? Se acha inteligente, mas na verdade é de uma burrice mastodôntica? (como Prometheus, por exemplo) Que sua profundidade emocional é compatível à de uma colher de chá? Que seus conceitos físicos/teóricos até que são bem embasados, mas sucumbem diante de uma trama mal escrita, demasiadamente verborrágica e com mais furos que uma peneira? Será que é porque ele é longo, arrastado, tem um terceiro ato que escorrega na maionese e sai rodopiando até o infinito e depois termina de forma toda apressada, eliminando, assim, qualquer mensagem mais profunda que seu clímax poderia oferecer?

Ou será que é por causa dos fãs? No Imdb o filme tem nota de 8,6 baseada em 1,530,304 usuários. Isso o coloca na lista dos 250 melhores filmes já feitos na 29ª posição. 29ª! Ou porque Filmow, ele tem nota 4,3 baseado em 64139 votos? Ou porque se você fala qualquer coisa acerca de não ter gostado do filme, uma horda enfurecida de fãs do Christopher Nolan corre na sua direção com tochas e gritos de morte?

Talvez sejam ambas as coisas…

Como eu posso estar tão fora da curva com relação a este filme? O que eu não vi que as outras pessoas viram? Ou melhor, o que eu vi que elas não viram? É da minha filosofia de que quando se faz uma resenha é preciso usar argumentos, ainda mais quando você é um ponto tão fora da curva quanto eu sou neste caso.

Só que para isso eu vou ter que quebrar a minha regra número 1: a dos spoilers. Esta review, infelizmente, e a partir de AGORA, contém spoilers. Se você não assistiu o filme e se incomoda muito com essas coisas, considere-se avisado.

Este é o Matthew McConaughey. Ele finge que é um cara chamado Cooper. Mas não muito.

Em Interestelar, dirigido por Christopher Nolan e escrito por ele e seu irmão, Jonathan, acompanhamos um ex-piloto e engenheiro chamado Cooper, que foi forçado a se tornar fazendeiro depois que uma crise afetou todo o suprimento de comida da população global. A Terra encontra-se à beira do colapso e a humanidade encara a própria extinção.

As causas desse cataclismo global são deixadas propositalmente vagas pelos roteiristas. Mais importante é saber que há um fantasma no quarto da filha do Cooper, uma menina chamada Murph. Sim, um fantasma. Esse fantasma parece estar deixando sinais criptografados para eles. Usando seu intelecto vasto e superior, Cooper pega a filha e as coordenadas que esse fantasma aparentemente deixou e elas o levam até uma instalação militar que, secretamente, está planejando uma missão para encontrar outros mundos habitáveis para a humanidade prosperar.

O que me leva à primeira pergunta: se a missão é tão importante como os personagens (principalmente o professor Brand, interpretado pelo Michael Cane) dizem que é, tão importante, aliás, que pode levar à salvação da humanidade, por que então não foi feito um esforço para recrutar pilotos/engenheiros super qualificados tais como o Cooper que morava ali pertinho, para tripular tal missão? O filme vai argumentar que a instituição não tinha orçamento pra ficar torrando assim, mas… a verdade é porque isso seria inteligente, e Interestelar não está preocupado com frivolidades assim. Ao invés, os responsáveis pela missão pensam “ah, já que ele está aqui, vamos aproveitá-lo.”

Essas rochas sobre as quais o Cooper está de pé são nuvens solidificadas por conta da intensa gravidade que aflige o planeta. Que sorte que a gravidade apenas solidifica as nuvens, de modo que o Cooper consegue… andar sobre elas.

Certo, vamos em frente. Há um buraco de minhoca perto de Saturno, supostamente deixada por uma raça mais avançada que a nossa. Alienígena? Não sabemos. Sabemos que do outro lado dele há três planetas que orbitam um buraco negro maravilhosamente concebido pelo físico Kip Thorne e filmado pelo cinematógrafo Hoyte van Hoytema, com certeza o ponto mais alto do filme. A missão do protagonista é ir até lá e descobrir o que aconteceu com as missões anteriores, que nunca retornaram. A questão é que, quanto mais perto do buraco negro os planetas estão, mais devagar o tempo passa neles.

A tripulação que acompanhamos é composta por quatro pessoas: Cooper, dois personagens secundários absolutamente descartáveis, e a Anne Hathaway (que no filme se chama Brand — neta do professor Brand). Eis que eles decidem ir primeiro para o planeta mais próximo do buraco negro para descobrir o que aconteceu com a missão anterior. Lá, Brand, a única mulher da tripulação, desobedece uma ordem direta e faz com que o companheiro descartável número 1 seja morto e eles fiquem presos no planeta por horas. Só que lá, horas significam anos na Terra e, quando eles voltam para a estação espacial que os orbitava, mais de duas décadas se passaram. Pontos para representatividade feminina (só que não).

Anne, digo, Brand, você precisa PARAR de chorar. Você precisa parar de fazer monólogos sobre a maneira como o amor transcende as fronteiras do espaço e do tempo. Você precisa tomar atitudes racionais e coerentes com seu nível de instrução, para impedir que seus colegas MORRAM.

Moving on.

Vamos ao segundo planeta. Este não tem a dilatação do tempo, mas a gravidade lá é tão intensa que as nuvens são sólidas (mas o módulo e os corpos dos astronautas permanecem muito bem preservados sob toda essa pressão, algo que aconteceu no planeta anterior também — engraçado que a gravidade só dilata o tempo, nada mais). Lá, eles encontram o Matt Damon, vulgo Mann, o mais brilhante dos cientistas que capitanearam a missão original. Ele está surtado porque “foi deixado lá para morrer”, então sua grande ideia é matar o astronauta descartável número 2, tentar matar o Cooper, falhar, pegar um módulo até a estação espacial, explodir a estação espacial porque ele não sabe usar uma escotilha e ferrar com tudo sem… um… bom… motivo?

Matt, quero dizer, Dr. Mann. Se você não sabe operar uma escotilha, você não merece o posto de pessoa mais inteligente de nenhum planeta.

Aí a pergunta que eu faço é: onde já se viu uma missão de tamanha magnitude ser tripulada por apenas um cientista? Que não sabe como operar uma escotilha?

Continuando.

Cooper precisa fazer uns paranauês para salvar o que sobrou da nave e a Anne Hathaway, que passou os últimos 50 minutos chorando, e o faz ejetando ela para o terceiro planeta e sendo ejetado em direção ao buraco negro. Lá, ele não é desintegrado como se suspeita que aconteceria dada a magnitude das forças gravitacionais EM UM BURACO NEGRO, mas sim encontra um tesseract criado por seres humanos que vivem em seis dimensões e que o leva até a estante da filha dele. Oh! Cooper é o fantasma que habitava o quarto. Ele passa as coordenadas para a filha e não apenas isso, como transmite para ela uma sequência de equações ultra-complexas que vão “resolver a gravidade” nos ponteiros de um relógio que ele deixou nas mãos da menina antes de partir.

Mas calma lá, vamos rebobinar um pouco. Enquanto toda essa baboseira espacial está acontecendo, nós acompanhamos a Murph, filha do Cooper, que agora é uma mulher adulta e interpretada pela Jessica Chastain, que descobre que o Dr. Brand, Sir Michael Caine, nunca planejou para que a missão do pai dela voltasse. O que isso significa? Que eles levariam embriões para cultivar uma nova humanidade em outro planeta, ou simplesmente engravidar a Anne Hathaway algumas vezes e fazer que nem na Bíblia.

Murph. Você precisa parar de queimar plantações de comida em um mundo que está literalmente PASSANDO FOME e admitir de uma vez que você sempre foi a favorita do seu pai.

Ok.

Bom, quando a Murph descobre a fórmula mágica da gravidade ela faz com que a viagem interestelar seja possível. Muitos anos depois, o pai dela é encontrado por “patrulheiros espaciais”, levado para dentro de uma imensa estação espacial que parece inspirada na nave de Encontro com Rama, onde eles se reencontram. Ele tem a mesma idade de quando partiu, ela é uma mulher idosa no fim da vida, e a cena climática emocional que nós aguardamos até o momento dura trinta segundos.

Realmente. Incrível.

Eu não enxergo, sinceramente, a profundidade deste filme. Qual a mensagem que ele passa, além de que o amor “ultrapassa barreiras do espaço e do tempo”? De que nosso destino como espécie é naturalmente acabar com os recursos naturais do nosso mundo e vagar para outros mundos para fazer a mesma coisa? Vírus fazem a mesma coisa. E mais: existem bilhões de pessoas no planeta. Todas elas foram salvas nessa estação espacial milagrosa que a Murph projetou com sua fórmula mágica da gravidade? Que sistema foi projetado para definir quem ia na nave e quem iria ficar no planeta para morrer? Há outras naves iguais a esta? Eu imagino que sim, Interestelar deixa essas questões com respostas um tanto vagas.

Em termos técnicos é necessário admitir que ele é impecável, ainda mais visto numa tela grande. A fotografia é ótima, os efeitos especiais também — principalmente o buraco negro — e a trilha sonora de Hans Zimmer se destaca, embora não tenha absolutamente nenhuma nuance (um traço dos filmes do Nolan é que a trilha sonora precisa funcionar como uma muralha de som afim de criar engajamento, pois os dramas dos personagens não são o suficiente).

Quando o melhor personagem do filme é um buraco negro, você sabe que está com problemas.

Tá, tudo muito bem feito. Mas a história… Por que astronautas precisam ser tão burros? Por que não seguem dispositivos e procedimentos de segurança? Porque com isso a trama não avança. Mas isto é porque os Nolans não sabem escrever, ou não sabem escrever bem. E pior, mesmo não sabendo escrever bem, acham que estão revelando os segredos da vida e do universo e tudo mais (a resposta é 42, queridos, isso é notícia velha). Mas me lembro de assistir ao filme no cinema e pensar a cada 15 minutos: isto é estúpido, isto é estúpido, até que saí da sala pensando “nossa… isso tudo foi estúpido”

No fim, eu acredito que Interestelar TEM algo a dizer. O problema é o que ele tem a dizer é… idiota. O amor resolve tudo e vamos consumir todos os recursos naturais do nosso planeta e depois fazer a mesma coisa com outro? Essas mensagens não me parecem nem um pouco difíceis de entender e nem um pouco profundas.

Mas ei, como falei no começo da resenha, sou claramente um ponto fora da curva. O que me faz pensar, às vezes, que a única coisa que eu não entendi sobre Interestelar é o porquê de as pessoas gostarem tanto dele.

Nota final: 3/10

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Roberto Fideli

Redator, jornalista, mestre em comunicação pela Cásper Líbero, escritor de fantasia e ficção científica.