Review: O Céu da Meia-Noite

Roberto Fideli
4 min readDec 29, 2020
O Céu da Meia-Noite (Midnight Sky, EUA, 2020). Dirigido por George Clooney. Roteiro de Mark L. Smith. Duração: 1h58min.

Ficção científica ruim é feita há muitos anos, tão antiga quanto a própria história do cinema, e continua sendo feita até hoje. O que dói mais é ver a quantidade de recursos, de material humano e de dinheiro desperdiçados em obras tão rasas e prepotentes e com tão pouca inteligência.

O Céu da Meia-Noite infelizmente é um desses filmes. Dirigido e estrelado por George Clooney, e baseado no livro Good Morning, Midnight, de Lily Brooks-Dalton, o longa foi lançado direto na Netflix como o último grande blockbuster antes do Natal. Ele contém um elenco de peso: Felicity Jones, Kyle Candler,
David Oyelowo, e outros, mas os pobres coitados estão todos presos em um filme onde praticamente nada funciona.

Mas vamos ao começo.

Um misterioso evento varreu o planeta Terra e George Clooney agora se encontra sozinho em uma estação de pesquisa no Círculo Polar Ártico. Ou ao menos é o que ele pensa, pois uma menininha chamada Iris acabou ficando ali, depois que todos os outros integrantes da estação foram evacuados.

Enquanto tenta descobrir o que fazer com ela, George (o nome dele no filme não é George, é Augustine, mas tudo bem) também tenta entrar em contato com uma nave espacial que está retornando de uma missão para encontrar vida fora da Terra.

A relação entre o personagem de Augustine e Iris é o ponto forte do filme, mas se torna meio cansativo conforme as coisas avançam.

Mas coitado do George/Augustine, que não apenas é a pessoa mais solitária do mundo, como também a mais infeliz: ele está morrendo de uma doença também não especificada, e a antena da sua estação não é forte o suficiente para alcançar a nave espacial. Então ele e Iris precisam se deslocar para uma outra estação com uma antena maior, para avisar a tripulação da nave que o planeta caput.

Desse modo, a narrativa alterna entre Augustine e Iris passando um frio de lascar e tendo que enfrentar uma série de desafios até chegarem à nova estação, e a tripulação da nave que também passa por uma série de intempéries em sua tentativa de estabelecer comunicação com a Terra.

Parece mais divertido do que de fato é. Mas por quê?

Bom, para não ser injusto, o filme começa bem. Quando os habitantes da estação estão sendo evacuados e o personagem de George Clooney decide ficar para trás, temos a primeira sensação genuína de uma ameaça iminente. Depois, quando a garotinha chamada Iris aparece, a interação entre ele e a jovem atriz Caoilinn Springall (a menina é bastante expressiva, embora não tenha diálogos) é muito boa. As coisas desandam pra valer quando somos apresentados à tripulação da nave espacial, e quando os dois protagonistas precisam abandonar a estação para encontrar uma antena mais potente.

Aí as coisas desandam mesmo.

Primeiro grande problema: o ritmo. Sonoleeeeeeeeento, sonolento. Não incomoda tanto no começo, quando testemunhamos a vida solitária do protagonista Augustine, mas ele se estende para as situações seguintes e para as demais performances do elenco — todo mundo parece que está se arrastando em cena, mesmo com coisas supostamente importantes acontecendo — e isso mina quaisquer tentativas de construir suspense, e, portanto, engajamento.

Segundo grande problema: o filme também parece não se importar muito com sua própria coerência interna: vide, uma astronauta que têm enjoo quando está em gravidade zero. Eu quero dizer… sério? E não precisamos comentar sobre o completo desrespeito por hierarquia e cadeia de comando e as decisões que os astronautas tomam que não fazem muito sentido, a maneira como as situações são apresentadas e não se desenvolvem, como informações essenciais são mantidas fora do alcance do público (como, por exemplo, por que a nave sai do curso, o que aconteceu com a Terra, como dentro da missão há uma astronauta que nunca fez uma caminhada espacial, pelo amor de Deus?).

A expressão no rosto de Felicity Jones enquanto ela procura pelo roteiro do filme diz quase tudo o que você precisa saber sobre O Céu da Meia-Noite.

As pessoas acham que apenas ficção científica hard — aquela com maior embasamento em fatos científicos — é ficção científica de verdade, o que é uma besteira, é claro. Nem tudo precisa ser minuciosamente explicado e “realista”, só precisa gerar engajamento (Gravidade, por exemplo, não é realista, mas é angustiante, causa engajamento).

Não há engajamento pois há uma gritante falta de especificidade em O Céu da Meia-Noite, que poderia ter sido resolvida com um pouco mais de diálogos expositivos. Mas os diálogos aqui são sofríveis, tentativas artificiais de gerar mistério: que evento foi esse que praticamente dizimou a raça-humana? Quem é Iris? Por que devemos nos importar com tudo o que está acontecendo, se nunca sabemos o que está acontecendo?

Já vi esse recurso usado antes em Interestelar e tive a mesma reação: ambiguidade pode gerar mistério quando é bem feita, mas quando não é, vira uma faca de dois gumes: seu público pode muito bem não se importar com que está acontecendo, o que foi o caso.

Dito isso: para você que quer escrever sci-fi; nem todos os elementos científicos precisam ser meticulosamente explicados e desenvolvidos. Isso pode ser muito chato, de modo que certas liberdades sempre são tomadas em prol da narrativa. Mas palavras-chave sempre devem ser: “coerência interna”, coisa que o Céu da Meia-Noite não têm. E, olha, mesmo que não tivesse, poderia ao menos ser um pouco mais divertido de acompanhar.

São filmes assim que te fazem lembrar como é difícil fazer ficção científica boa. E como devemos ficar radiantes quando ela é feita.

Nota final: 3/10

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Roberto Fideli

Redator, jornalista, mestre em comunicação pela Cásper Líbero, escritor de fantasia e ficção científica.