Review: Pequena Grande Vida

Roberto Fideli
5 min readJan 22, 2021
Pequena Grande Vida (EUA, 2017) Dirigido por Alexander Payne. Roteiro de Alexander Payne e Jim Taylor. Duração: 2h15min.

Vou começar esta resenha com uma confissão: não sou nem um pouco fã dos filmes do Alexander Payne. O último que eu assisti foi uma “dramédia” estrelada por George Clooney chamado Os Descendentes, que só funcionou para mim por causa da atuação de sua estrela principal. Pulei Nebraska e acho Sideways um filme ok apesar das boas performances. Minha falta de simpatia pela filmografia do cineasta americano tem a ver com o fato de que eu tenho pouco saco para dramas suburbanos e sátiras à classe média. Sim, a classe média é um saco, eu concordo. Mas isso já não é meio óbvio?

Só assisti Pequena Grande Vida por acidente, pois apesar de ser uma ficção científica, me lembro de como a crítica malhou esta produção, a mesma que falou tão bem dos outros filmes do cineasta. E quem diria que foi justamente esse que eu acabei gostando?

O começo de Pequena Grande Vida parece mesmo um drama suburbano ao estilo do cineasta: Matt Damon interpreta um fisioterapeuta chamado Paul Safranek que precisa desesperadamente de um recomeço em sua vida. Essa oportunidade se apresenta sob a forma de uma técnica revolucionária capaz de encolher pessoas até a altura de 12 cm. Desse modo, não apenas essas “pessoinhas” consumirão menos recursos naturais e menos espaço num mundo superpovoado e na berlinda de uma mudança tectônica causada pelo aquecimento global, como cada dólar que essas pessoas têm se transforma em mil dólares nessa nova comunidade miniaturizada. Ou seja: Paul Safranek agora é um multimilionário.

Essa comunidade de bonsai pareceria perfeita logo de cara não fosse o fato de que a esposa dele desistiu na hora H de ser miniaturizada. O que significa que Paul agora se encontra sozinho numa casa enorme sem muito o que fazer. Ele se muda para um apartamento vizinho ao de um europeu chamado Dusan (interpretado pelo sempre divertidíssimo Christoph Waltz) que faz sua fortuna como contrabandista. Em uma festa dada por Dusan, Paul fica muito chapado e acaba trombando sem quer com uma moça vietnamita que limpa a casa do excêntrico anfitrião. Só que antes de vir para o mundo em miniatura, a moça chamada Ngoc Lan Tran foi uma celebridade por ter escapado de uma prisão no Vietnã e perdeu uma perna no processo.

Matt Damon como sempre está perfeito, mas quem rouba o filme é Hong Chau, no papel da ex-refugiada vietnamita Ngoc.

E é aí que Paul descobre que esse mundo aparentemente perfeito onde não há pobreza, nem fome, nem diferença entre classes sociais na verdade é um microcosmos dos Estados Unidos com todas as suas imperfeições; Ngoc lhe mostra os refugiados, os necessitados, aqueles que vivem fora do domo projetado para proteger seus cidadãos dos perigosos raios solares.

Na superfície a metáfora é mais ou menos explícita: Paul é um homem branco cuja masculinidade está sendo diminuída por conta de outros fatores, e esse é um tema recorrente na filmografia de Alexander Payne. Aqui, essa metáfora do encolhimento é tratada de forma literal, mas há outras questões que o filme também permeia ainda que sem tanta atenção: ditadores africanos miniaturizam seus rivais étnicos, a Segurança Nacional dos Estados Unidos tem medo de terroristas em miniatura se infiltrando em suas fronteiras. Ou seja, o recurso, embora engenhoso, pode ser mal utilizado como qualquer outra ferramenta.

Tamanho não é documento neste filme. Pelo menos em tese.

Eu fiquei positivamente surpreso com o modo como Payne lidou com essa premissa, e minha positividade com relação à abordagem, vai na contramão do que a maioria dos críticos e do público achou. Afinal, é um conceito bizarro: uma história na qual humanos que encolhem e ficam com cinco polegadas de altura é um prato cheio para uma sátira escrachada, mas Payne trata como se fosse um drama com toques de humor, aplicando sobre o filme um tom sóbrio e cadenciado, até mesmo melancólico.

Acho que isso pegou todo mundo desprevenido, e é da natureza humana se decepcionar quando se procura uma coisa e encontra outra. Mas às vezes penso se não estamos mimados demais ao ponto de nos tornamos não apenas desagradáveis, como também inagradáveis: se encontramos exatamente o que queremos, reclamamos por conta da obviedade da história, ou sua falta de criatividade. E se encontramos algo diferente do que esperávamos, reclamamos porque nossas expectativas não foram atendidas.

Algo semelhante aconteceu com O Curioso Caso de Benjamin Button, no qual David Fincher optou não pelo bizarro — que faria sentido, convenhamos, numa premissa na qual um homem envelhece ao contrário — mas pelo sóbrio e melancólico. Essa comparação talvez tenha sido o fator determinante para que eu desse uma chance à Pequena Grande Vida, que me conquistou pelo seu jeito delicado e sem pressa de conduzir uma trama estranha, mas que oferece comentários pungentes (ainda que um tanto óbvios) sobre nossa sociedade e a situação atual do mundo.

Até mesmo o conceito mais estranho pode funcionar se bem usado, e é o caso neste filme. Que boa surpresa.

Ajuda também o fato de que o elenco é ótimo. Matt Damon sempre entrega uma atuação daquelas do tipo “sem tirar nem por”, Christoph Waltz tem tanto charme e personalidade que funciona como um imã que atrai seu olhar o tempo todo, e a atriz tailandesa Hong Chau é um verdadeiro achado (ela recebeu uma merecida indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante em filme de comédia ou musical por sua performance).

Então sim, eu gostei — mais do que imaginei que gostaria. Mas falando aqui, eu gosto de ser surpreendido. E você?

Nota final: 7,5/10

--

--

Roberto Fideli

Redator, jornalista, mestre em comunicação pela Cásper Líbero, escritor de fantasia e ficção científica.